sábado, 22 de fevereiro de 2025

(História esquecida) A estátua na Sé

Na Praça da Sé já teve uma escultura impressionante não apenas pelo seu tamanho colossal, mas pelo seu aspecto fantástico e futurista. Alguns contam, que a obra impressionou o diretor de cinema George Lucas e o inspirou na criação dos cavaleiros Jedi. Tudo começou em 1969, quando foi instalada uma escultura na Praça da Sé, que representava o apóstolo São Pedro. Tinha 12 metros de altura, pesava 25 toneladas, custou 30 mil cruzeiros – o equivalente a vários milhões de reais hoje - e foi esculpida em um único tronco de peroba. A estátua era um presente do Brasil para o papa Paulo VI, e seria exibida na entrada principal do Museu do Vaticano, mas devido ao alto custo do transporte até Roma, acabou ficando por aqui mesmo. E em 1969 foi erguida na praça mais importante da cidade.
Seu autor era Agenor Francisco dos Santos, neto de escravos africanos e um dos pioneiros da comunidade de artistas do Embu. Mestre Agenor, como era chamado, apesar de pouco conhecido até hoje no Brasil, tem obras suas expostas na Europa, Estados Unidos e Japão. O diretor George Lucas era um dos que conheciam e admiravam a obra de Mestre Agenor, e ao ver uma foto da estátua da Praça da Sé numa edição da revista Galaxy Science Fiction, ficou tão impressionado com seu aspecto singular e incrível que se inspirou parcialmente nela para criar o visual dos cavaleiros Jedi de Guerra nas Estrelas, como Obi Wan Kenobi e Yoda. A influência da escultura para a série de filmes mundialmente famosa teria sido inclusive reconhecida numa carta que o próprio George Lucas escreveu para Mestre Agenor, falecido há dois anos.
Em 1975, foi comprada pela Prefeitura de São Caetano. Atualmente, a majestosa estátua se encontra quase escondida, num lugar pouco vistoso do Instituto Municipal de Ensino Superior.
A estátua, apesar de ter encantado os paulistanos e até gente no exterior, teve um fim lamentável: após ficar durante alguns anos abandonada em um estacionamento, sofrendo ataque de cupins, ao invés de receber tratamento, responsáveis pela Univ. de São Caetano optaram por resolver o problema incinerando a obra.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

O modus operandi de Israel é igual ao dos nazistas

Em 1945, 80 anos atrás, o mundo começou a ter noção mais direta dos horrores praticados nos campos de concentração alemães espalhados pela Europa. O terror nazista assustou o mundo. Não se tratava de campos de trabalho forçado somente, o mundo se assustou com a brutalidade, a desnutrição forçada, a humilhação a que os concentrados eram submetidos...
O “mundo civilizado”, então, se mobilizou, na tentativa e esperança de não mais permitir que cenas como a da imagem, de uma russa desnutrida encontrada em Dachau, se repetissem. A recém-formada ONU se mobilizou e se prontificou para reparar uma das principais vítimas do Holocausto, os judeus, atendendo ao pleito do Movimento Sionista de reconhecimento de um Estado Judeu na Palestina. O pedido logo foi atendido: em 1948 diversos países do mundo reconheceram a independência e soberania do Estado de Israel.
Imagem de refugiados do "Nakba"
No entanto, tão antigo quanto o próprio nascimento do Estado de Israel foram as agressões desumanas infligidas aos povos nativos de onde este estado foi criado. Massacres, roubo de terra, deslocamentos forçados, tudo isso marca o que conhecemos hoje como “Nakba”, a catástrofe que empurrou e expulsou milhares de palestinos para fora de seu lar ancestral.
Imagem de judeus refugiados em Lisboa
Quase 80 anos após a fundação do Estado de Israel, no entanto, continuamos a ver cenas tão catastróficas quanto aquelas que o mundo assistiu, em silêncio, no ano de fundação do Estado Sionista. Essas cenas se repetiram consistentemente ao longo das décadas, com mais roubos de terra, mais humilhações, etc.
O modus operandi israelense se assemelha em muitos aspectos ao nazista. Uma das cenas mais comuns vistas por nós nos últimos anos foram a de palestinos encarcerados que voltaram para casa doentes, desnutridos e fracos, uma repetição sinistra das cenas que o mundo visualizou, com horror, durante a libertação dos campos de concentração nazistas.
Refugiados judeus alemães desembarcando
no porto de Xangai
A foto à direita (da primeira imagem da postagem) é do professor palestino Ibrahim al-Shawish. Ele foi libertado recentemente por Israel e disse, em seu depoimento, que, por 45 dias, foi vendado, algemado e forçado a se ajoelhar antes de ser transferido para a prisão do Negev, onde sofreu choques elétricos e ataques de cães. O rosto e o corpo de Al-Shawish, gravemente desnutrido, apresentavam sinais de tortura.
- NATH, Sasnuti. "No Words": Israel Releases Before-After Pics Of 'Malnourished' Hostages Freed By Hamas. NDTV World, 9 de fevereiro de 2025.
- THE man bringing colour to 'shocking' historical pictures. BBC, 14 de novembro de 2020.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

(História da Música) Clara Nunes

Clara Nunes não foi apenas uma cantora. Ela foi um fenômeno, um furacão de cultura, fé e ancestralidade que varreu o Brasil e ressignificou o samba em um tempo que ainda o via como um reduto majoritariamente masculino. Sua voz, firme como o aço e doce como o vento que balança os coqueiros, cantou os orixás, os trabalhadores, a alma mestiça de um país que, por tantas vezes, tentou se esquecer de si mesmo. O Brasil sempre teve sua música pulsando nas ruas, mas foi através dela que os tambores africanos, o samba de raiz e as tradições populares encontraram um espaço definitivo no coração da nação. Mais do que uma intérprete, Clara se tornou um símbolo da resistência e da valorização das matrizes culturais brasileiras.
Vanessa da Mata interpretando
Clara Nunes em musical
Nascida em uma pequena cidade de Minas Gerais, cresceu entre as serestas e os cantos de rádio, até que sua voz, de potência quase mística, encontrou morada no Rio de Janeiro. Clara começou sua trajetória transitando por diferentes gêneros, mas foi no samba que encontrou sua verdadeira essência. E não foi um simples encontro: foi um rito de passagem. Adotou as roupas brancas, mergulhou nas raízes africanas e deu à música popular um significado que transcendia o entretenimento. Suas canções, como "O Mar Serenou" e "Conto de Areia", não eram apenas melodias; eram declarações de pertencimento, de orgulho, de um Brasil que precisava se olhar no espelho e enxergar suas origens.
Clara Nunes rompeu barreiras invisíveis. Tornou-se a primeira mulher a vender mais de 100 mil cópias de um disco no Brasil, em uma época em que a indústria fonográfica apostava majoritariamente nos homens para ocupar os grandes palcos do samba. Seu sucesso não foi apenas estatístico. Clara foi porta-voz de uma cultura marginalizada, trazendo para o mainstream os ritmos dos terreiros, as histórias de resistência dos negros e a fé de um povo que encontrou na música um refúgio contra o apagamento histórico. Seu impacto foi tão profundo que sua obra ultrapassou as fronteiras nacionais, sendo estudada e reverenciada em diversos países, onde a musicalidade brasileira é vista como um patrimônio imaterial que precisa ser compreendido e preservado.
O que faz de Clara Nunes uma figura única não é apenas sua voz ou seu talento interpretativo, mas a maneira como encarnou a música como um ato político, uma afirmação de identidade. O Brasil dos anos 70 ainda era um país que lutava para se reconhecer como mestiço, que escondia sua ancestralidade negra debaixo do tapete do progresso. Clara Nunes desafiou esse silêncio, cantando alto sobre os orixás, sobre as lavadeiras, sobre a gente de pele escura que construiu este país. E fez isso com elegância, com força, com uma verdade que atravessou gerações.
Sua obra é uma travessia que liga passado e presente. Os estudos acadêmicos sobre sua trajetória revelam a profundidade de sua influência. Pesquisas demonstram como sua música foi um instrumento de difusão das religiões de matriz africana e um grito de resistência cultural. Sua relação com o candomblé e a umbanda não era superficial; era um compromisso de vida. Em cada batida de atabaque, em cada canto de saudação, Clara materializava a alma de um Brasil que ainda hoje luta para ser plenamente reconhecido.
Mas o tempo, implacável como sempre, levou Clara Nunes cedo demais. Seu legado, no entanto, permanece intocado. Seu nome ecoa entre os novos artistas, sua presença é sentida nas vozes que hoje tentam resgatar a pureza do samba e nas discussões sobre o papel da mulher na música popular brasileira. Seu impacto não foi apenas artístico, mas sociocultural. A mulher que quebrou recordes também abriu caminhos. E, mais do que isso, deu dignidade a uma arte que, por muito tempo, foi marginalizada e empurrada para os guetos.
O Brasil de hoje, com suas contradições e suas dores históricas, precisa de mais Clara Nunes. Precisa de sua coragem, de seu respeito pela ancestralidade, de seu amor pela cultura popular. Em tempos onde a memória coletiva se desfaz em algoritmos e superficialidades, lembrar de Clara não é apenas um exercício nostálgico – é um ato de resistência. É lembrar que a música pode ser mais do que um produto, que ela pode ser um portal para a identidade, para a consciência, para a alma de um povo.
O legado de Clara Nunes não pertence apenas à história do samba. Ele pertence a todos aqueles que amam a música como um espaço de encontro, de luta e de celebração. Ele pertence a cada artista que encontra em suas canções um eco de sua própria voz. Ele pertence a cada pessoa que sente, no fundo do peito, que a cultura é a única herança que ninguém pode tirar. O mar serenou para Clara, mas sua música ainda dança nas águas da eternidade.