O Sultanato das Mulheres foi o período de mais de um século em que as esposas, haseki, e mães, valide, dos sultões do Império Otomano exerceram extraordinária influência política em todas as esferas do poder, entre os anos de 1533 a 1656. Derrubando o mito orientalista da impotente e oprimida ‘’escrava do harém’’ ou ‘’escrava sexual’’, o sistema de educação do palácio imperial para mulheres cativas, cujo objetivo era produzir boas tutoras de príncipes e não jardins de prazer masculinos como por muito foi contado na historiografia ocidental, fazia destas damas de origem escravizada europeia em poucos anos se tornarem tão poderosas, ou até mais, no califado islâmico quanto um grão-vizir (primeiro ministro). Não só atuando nas tomadas de decisão política do Império, o século do sultanato feminino foi marcado pela construção de opulentas peças arquitetônicas por ordem destas sultanas, como também por obras de filantropia de caráter internacional (dos Bálcãs ao Saara, fontes públicas, madraças e mesquitas ainda hoje levam os nomes das sultanas que os construíram). Homens poderosos e favoritos de sultões encontraram seu fim por não agradarem as sultanas otomanas. Na política externa, elas buscavam favorecer diplomaticamente seus países de origem nas relações com o império: uma sultana de origem italiana intercederia no divã pelos interesses de Veneza, enquanto também decidiriam qual príncipe se tornaria o novo califa e maior sultão do mundo islâmico.
Mas embora esta fosse uma época em que as mulheres imperiais detinham um poder incrível, elas não viviam sem oponentes. Em 1582, um grão-vizir expressou abertamente sua raiva pela presença de uma sultana no conselho imperial. Em 1599, o grão-mufti queixou-se do envolvimento de uma outra nos assuntos do governo, especialmente em nomeações e demissões. Tal ressentimento de outros membros da corte, que se viam ameaçados pelas sultanas que influenciavam e até controlavam os sultões turcos onde eles não podia ir, em suas camas, era notório. Muitos embaixadores estrangeiros contemporâneos relataram que aqueles que desejassem fazer negócios com o Império Otomano precisavam abordar a mãe do sultão antes de qualquer outra pessoa. Cartas de sultanas em conversas com chefes de estado de outras potencias europeias também não eram raras.
Contudo, este estado de coisas na sociedade otomana não era um ‘’privilegio de mulheres da elite’’, pois fontes estrangeiras que falam da vida comum contam também sob o poder feminina na sociedade otomana geral. O missionário, antropólogo e orientalista luterano alemão enviado pelo imperador austríaco Rudolf II a corte do sultão otomano Murad III, Salomon Schweigger (autor da primeira tradução alemã do Alcorão), que viveu em Istambul entre 1578-1581 e viajou extensivamente pelo Oriente Médio otomano, em suas memorias escreveu as seguintes notas sobre alguns aspectos das famílias otomanas:
"Os turcos governam o mundo, e suas mulheres governam seus corações. Eles mal praticam a poligamia, e o divórcio é raramente visto em seus relacionamentos.''
"Enquanto o mundo inteiro treme diante do poder dos turcos, estes temem suas esposas. Na verdade, os turcos são servos de suas mulheres. Todas as necessidades da casa, trazer o pão, a carne e todas as outras coisas são responsabilidade do homem. E enquanto os homens tomam conta de tudo isso, as mulheres ficam conversando com as amigas em casa ou quando é apropriado, elas passeiam pela cidade para visitar outras amigas. Na maior parte do tempo, as mulheres se juntam e andam por ai em grupos de 10 ou 20, vão juntas ao banho público (hamam), onde ficam conversando e dançando para passar o tédio.''
Bibliografia:
-Asli Sancar (2007), ''Ottoman Women: Myth and Reality''
-İlhan Akşit. The Mystery of the Ottoman Harem. Akşit Kültür Turizm Yayınları.
-Leslie P. Peirce. The Imperial Harem: Women and Sovereignty in the Ottoman Empire. Oxford University Press (1993)
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