domingo, 30 de março de 2025

Sambaquis e sambaquieiros

Sambaquis são grandes montanhas de restos de peixes e conchas, feitas por nativos brasileiros.
Erguidos ao longo de milênios, sambaqui significa "amontoado de conchas" em tupi.
Em alguns montes, foram encontrados anzóis, flechas, arpões, quebra-cocos, facas e machados de povos pré-colombianos.
Os sambaquis tiveram diversas finalidades ao longo dos milênios.
Inicialmente, funcionava como um depósito de alimentos e conchas, mais tarde servindo como habitações.
As montanhas tornaram-se fontes de calcário, sendo assim, excelentes na época, para construção de casas.
Isso explica a grande quantidade de utensílios, restos humanos e animais presentes nos sambaquis - indicando grandes comunidades.
Graças aos sambaquis, é possível entender a vida dos primeiros povos brasileiros da Antiguidade no Brasil, seus hábitos, culturas e movimentos migratórios.
Em Santa Catarina, há os maiores sambaquis do Brasil e do mundo.
As cidades de Laguna e Jaguaruna têm 42 sambaquis, alguns com 30 até metros de altura.
As estruturas também podiam servir como câmaras funerárias, pois milhares de corpos já foram encontrados em apenas 1 sambaqui.
Estão distribuídos principalmente por quase todo do litoral do Brasil.
Em São Paulo há grandes montes, como em Cananéia, São Vicente e Iguape.
Sambaquis não são exclusivos do litoral, também presentes em regiões como o baixo Amazonas e no Xingu.
Muitos possuem centenas de metros de extensão, alguns construídos há mais de 6 mil anos.
Os sambaquis deixaram de ser habitados possivelmente em torno do ano 1000, quando os tupi-guarani espalharam-se pelo litoral brasileiro.
A diferença de hábitos culturais e alimentares encontrados nos montes, indica que foram construídos por uma sociedade distinta dos tupi-guarani.
Quando os europeus desembarcaram no Brasil, em pouco tempo, perceberam que as estruturas eram obras de nativos.
No século 16, muitas conchas foram moídas e utilizadas como cal na construção de engenhos de açúcar e edifícios.
Em Salvador, o primeiro Palácio do Governador utilizou o calcário dos sambaquis.
Hoje, há museus destinados para o estudo dessas estruturas, sendo o principal o Museu do Homem de Sambaqui, em Florianópolis.
Sambaquis existem em quase todos continentes do mundo: África, América e Europa. 

sábado, 29 de março de 2025

A cultura estrangeira não é melhor que a nossa

Eu estava mexendo no Facebook, dias atrás, e me apareceu esse comentário mais do que infeliz. Não é de hoje que o Brasil sente uma síndrome de vira-lata quando a diversas mídias de fora. Em especial, as norte-americanas e europeias. Vamos por partes.
Não há, por parte das gravações brasileiras, uma glorificação dos cangaceiros. Pelo menos, por uma grande parte, pelo menos. Mas há sim o uso dessas figuras, como parte de narrativas de obras audiovisuais (como Maria e o Cangaço), ou de expressões culturais (como o bloco da Leopoldinense), ou de coisas mais novas, como da nona (como do mangá Lampião). Pois fazem parte da nossa história, para o bem ou para o mal.
Para quem não sabe, o Cangaço, é um fenômeno socio-cultural que ocorreu no Nordeste, devido a como essa região sofreu devido ao descaso, antes e depois do Brasil Império, especialmente quando a região deixou de ser um polo devido a queda na cana-de-açúcar. O que gera na população duas "âncoras de sobrevivência": ou sofria nas mãos dos coronéis ou se tornava um cangaceiro. Pois eram poucos que conseguiam viver, sem ter suas rotinas mexidas por eles, sem contar que era raro as ações das volantes.
Estas volantes eram compostas por policiais militares e nativos do agreste e eram em geral comandadas por um oficial de Exército (tenente ou capitão), ou um delegado de policia, indicados geralmente por um “coronel” da região, o que os tornavam conhecidos como “delegados calça-curta”.
De qualquer forma, aqueles que não queriam servir aos coronéis, teriam que entrar para os cangaceiros, que roubavam para sobreviver, e até alguns, tardiamente, se tornavam coronéis. De qualquer forma, alguns eram bem vistos pela população da época. Fosse por ajudar as pessoas, fosse por ser uma visão de liberdade a elas. Sem contar que até o Padim Ciço (Padre Cícero) pediu ajuda a LAMPIÃO para derrotar a Coluna Prestes no Nordeste. O que é bizarro, pois sem saber Virgulino Ferreira da Silva derrotou "a esquerda", da época. Para o desespero da direita, que compõe grande parte desses nerdolas. 
Mas o que muitos desses "nerdolas" ignoram, é o quanto seus heróis são tão cruéis quanto esses cangaceiros. Como samurais, cowboys e vikings.
Vamos começar pesado. Os samurais, especialmente antes do Xogunato Tokugawa (mas continuou depois) eram muito abusivos. Muitos deles usavam seu título como pessoas importantes, para conseguirem favores. As Aventuras do Samurai Caolho, livro de Thoshio Katsurayama, tratam sobre isso, pois quantas vezes o personagem não usa esse elemento, para conseguir comida, um lugar para dormir, entre outras coisas. E não apenas em obras no Brasil, o próprio Akira Kurosawa, em seu épico Os Sete Samurais, demonstra essa relação entre os membros do povo, que imploram pela ajuda dos guerreiros, que deveriam ser nobres. E até animes como Dororo, já nos mostram como há sim, por parte deles, quando líderes de regiões são cruéis com aqueles que deveriam servir. Obviamente, pois não seguem os padrões que temos hoje em dia. Que nem os cangaceiros.
Já os cowboys, transformados em heróis pela visão clássica dos cinemas antigos, acabaram com diversas vidas. Devemos saber que, para os norte-americanos preencherem o território Oeste, ocorreu a chamada Marcha para Oeste, impulsionada pela Lei de Terras. Com ela, era permitido a quem quisesse ocupar aquelas terras, poderia o fazer retirando quem estivesse naquele lugar. Incluindo, mexicanos e indígenas. Não é a toa que, mesmo sendo dos Estados Unidos da América, o território que é banhado pelo Oceano Pacífico, tem nomes de origem espanhola: Los Angeles, Las Vegas, San Franscisco e por ai vai. Mas o pior foi o massacre perpetrado por soldados, como no caso de Bear River. Há desenhos animados que fazem referência a isso, como um clássico do Pernalonga, em que ele faz uma "musiquinha" pelas perdas dos indígenas. 
Para finalizar, os mais fáceis de explicar. Os vikings, tratados como bárbaros pelos romanos, antes de sua conversão para o cristianismo - como podemos notar pela cultura germânica que foi se transformando -, normalmente, preferiam invadir vilarejos sem defesa e monastérios. Isso é mais fácil de imaginar, já que suas embarcações, os drakkar, eram rápidos e leves. Roubavam e fugiam com rapidez. Uma pessoa pode falar sobre os berserkers, ou bersker, que são guerreiros poderosos e enfrentavam os inimigos. Só que isso ocorria, quando os guerreiros nórdicos estavam invadindo uma região específica. Enquanto isso não ocorria, esses guerreiros furiosos eram tratados como párias dentro dos vilarejos.
Então, em resumo, o Boteco of Comics destila a falta de conhecimento sobre essa parte da cultura. 

domingo, 23 de março de 2025

Mapa da Diáspora Africana no Brasil

Inspirado em um antigo mapa de Arthur Ramos, um importante antropólogo brasileiro (e um dos primeiros a se dedicar a estudar o negro) o mapa apresentado é uma simplificação de um período muito complexo, que foi a escravidão no Brasil, e das influências de diferentes grupos africanos.
É importante ressaltar que TODAS as regiões foram influenciadas tanto por sudaneses quanto por bantos. O mapa apenas destaca uma predominância. ( que em alguns casos pode ser relativa, a exemplo do Maranhão, que recebeu um grande número tanto de povos bantos como "sudaneses"). O mesmo aconteceu no Rio Grande do sul, tanto os "minas" como os povos de Angola e Congo tiveram uma grande importância.
A interiorização dos negros no mapa se deve em grande parte ao Ciclo do Ouro que trouxe muitos africanos para irem trabalhar nas minas de ouro no interior do Brasil ( hoje atual Goiás, Tocantins, Minas Gerais e Mato Grosso).

BANTOS.
O termo "Banto" refere-se a um amplo conjunto de povos e culturas da África Central, sendo originado do grupo linguístico banto, que engloba diversas línguas africanas com características comuns.
O domínio de Portugal na Guiné, Angola, na atual República Democrática do Congo e o fluxo posterior de Moçambique facilitaram a exportação em massa desses africanos para o Brasil. Entre 1580 e 1850, aproximadamente 75% dos africanos escravizados trazidos para o Brasil eram de origem banta.
Essa migração forçada resultou na incorporação significativa de características culturais bantas na formação do povo brasileiro, influenciando profundamente a música, as danças, os jogos e as lendas do país.

SUDANESES.
O termo "sudanês" refere-se a grupos da África Ocidental, como os iorubás da Nigéria, os jejes (Ewe-Fon) do Daomé e os Fanti-Ashanti da Costa do Ouro. Estes povos, trazidos ao Brasil principalmente durante o final do século XVIII e início do XIX, influenciaram profundamente a cultura urbana do Nordeste e Sudeste, especialmente em Salvador, Recife e São Luís.
A cultura sudanesa trouxe consigo complexas tradições religiosas e sociais. A influência do islamismo entre os povos fulas, mandingas e haussás também deixou marcas em comunidades como a dos Malês, no Brasil, que protagonizaram a Revolta dos Malês em 1835, uma insurreição de escravizados islâmicos na Bahia. A herança cultural sudanesa se faz sentir especialmente no candomblé nagô, nos toques e ritmos dos atabaques e na formação das primeiras irmandades religiosas e sociedades secretas de africanos em solo brasileiro.

Referências.
HEYWOOD, Linda M.* Diáspora negra no Brasil*. São Paulo: Ed. Contexto, 2008.
LIMA, Laura Pereira. "Menosprezada pela história, herança banto é um pilar central da formação do Brasil." *Jornal da USP*, 25 jul. 2023. Disponível em:https://jornal.usp.br/.../menosprezada-pela-historia.../.
RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.
CASCUDO, Luís da Câmara. *Dicionário do Folclore Brasileiro*. 12. ed. São Paulo: Editora Global, 2012.

sábado, 22 de março de 2025

(História da Música) Ingressos de Shakira já custaram 30,00 R$

Antes de fazer tanto sucesso mundial, Shakira, à época dedicada ao rock, fez shows em diversos lugares pelo país, e dentre eles, ela se apresentou em Taubaté, no interior de São Paulo, em 1997, quando ainda estava no início da carreira.
Na ocasião, os ingressos para o show, que aconteceu na Associação de Taubaté custaram cerca de R$ 30, para uma rádio local, já extinta.
Quase 30 anos depois, esse valor atualizado seria de R$ 149, com a reposição inflacionária de quase 400% do período pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-IBGE), que mede a inflação brasileira.
Com informações do G1.

domingo, 16 de março de 2025

Mário Juruna e sua alma indígena incorruptível

Há mais de 11 anos que nosso irmão e companheiro Mário Juruna (Xavante) nos deixou. Foi o único deputado federal índio na história do Brasil, eleito pelo PDT /RJ (1983-1987). Responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio, que levou o problema indígena ao reconhecimento oficial.
Era destemido, enfrentavam os generais e a cúpula em plena Ditatura Militar, pelos direitos indígenas.
Foi também o único deputado na história do Brasil a denunciar o esquema de corrupção entre os políticos. Mostrando (foto) e devolvendo publicamente os 30 milhões de cruzeiros recebido na tentativa de suborno em 1984 por parte do empresário Calim Eid para votar em Paulo Maluf, candidato dos militares à presidência da República no colégio eleitoral.
Votou em Tancredo Neves pelos direitos indígenas, até hoje não cumpridos.
Não conseguiu se reeleger nas eleições de 1986, mas continuou ativo na política por vários anos.
Esquecido, pobre vindo a falecer em decorrência de diabetes e hipertensão em 17 de julho de 2002.

(Texto de Carlos Terena)
Crédito pela imagem: Respeito Etnia Terena

sábado, 8 de março de 2025

General acusado pela morte de Rubens Paiva recebe salário de R$ 35 mil!

Em 2014, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco militares pelo homicídio e ocultação do cadáver de Rubens Paiva, político cassado pela ditadura militar, que foi morto em Janeiro de 1971. No entanto, desde então, o processo não avançou e nem houve desfecho. Um dos acusados é o general José Antônio Nogueira Belham.
De acordo com o Portal da Transparência, Belham segue recebendo uma remuneração básica bruta de R$ 35.991,46 enquanto vive em Brasília, no Distrito Federal. O homem também aparece com a patente de marechal, considerada uma honraria voltada apenas a oficiais do Exército Brasileiro que tiveram atuação excepcional durante o período de guerras. Sem nunca ter participado de um grande conflito.
Na época do crime, o militar era comandante do Destacamento de Operações e Informações (DOI) do Primeiro Exército, na zona norte do Rio, onde Rubens Paiva teria morrido. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2013, o general negou que sabia sobre as torturas a Rubens Paiva e ainda acrescentou que estaria ausente do local pois estava de férias. O MPF, por sua vez, apontou que os militares envolvidos, incluindo Belham, mataram o ex-deputado.
Os acusados são José Antônio Nogueira Belham; Jacy Ochsendorf e Souza; Raimundo Ronaldo Campos; Jurandyr Ochsendorf e Souza; e Rubens Paim Sampaio. Pelo menos os três últimos já faleceram. O major Jacy Ochsendorf e Souza ganhava um salário bruto de R$ 23.457,15.
O deputado e engenheiro, Rubens Paiva tem parte de sua história contada no filme Ainda Estou Aqui, longa-metragem de Walter Salles inspirado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho do político. Ele nunca mais foi visto após ser levado para prestar depoimento em 1971, que era no período da ditadura militar. Rubens foi torturado e morto no Destacamento de Operações Internas (DOI), no quartel da Polícia do Exército. O corpo nunca foi encontrado

sábado, 1 de março de 2025

Eloina dos Leopardos

A primeira rainha de bateria do carnaval brasileiro foi uma travesti, Eloina dos Leopardos, em 1976. Ela desfilou à frente da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, no Rio de Janeiro.
A empresária e artista fez história no Brasil e merece todo o reconhecimento. Esse ano será destaque na escola de samba paraíso da Tuiuti.


sábado, 22 de fevereiro de 2025

(História esquecida) A estátua na Sé

Na Praça da Sé já teve uma escultura impressionante não apenas pelo seu tamanho colossal, mas pelo seu aspecto fantástico e futurista. Alguns contam, que a obra impressionou o diretor de cinema George Lucas e o inspirou na criação dos cavaleiros Jedi. Tudo começou em 1969, quando foi instalada uma escultura na Praça da Sé, que representava o apóstolo São Pedro. Tinha 12 metros de altura, pesava 25 toneladas, custou 30 mil cruzeiros – o equivalente a vários milhões de reais hoje - e foi esculpida em um único tronco de peroba. A estátua era um presente do Brasil para o papa Paulo VI, e seria exibida na entrada principal do Museu do Vaticano, mas devido ao alto custo do transporte até Roma, acabou ficando por aqui mesmo. E em 1969 foi erguida na praça mais importante da cidade.
Seu autor era Agenor Francisco dos Santos, neto de escravos africanos e um dos pioneiros da comunidade de artistas do Embu. Mestre Agenor, como era chamado, apesar de pouco conhecido até hoje no Brasil, tem obras suas expostas na Europa, Estados Unidos e Japão. O diretor George Lucas era um dos que conheciam e admiravam a obra de Mestre Agenor, e ao ver uma foto da estátua da Praça da Sé numa edição da revista Galaxy Science Fiction, ficou tão impressionado com seu aspecto singular e incrível que se inspirou parcialmente nela para criar o visual dos cavaleiros Jedi de Guerra nas Estrelas, como Obi Wan Kenobi e Yoda. A influência da escultura para a série de filmes mundialmente famosa teria sido inclusive reconhecida numa carta que o próprio George Lucas escreveu para Mestre Agenor, falecido há dois anos.
Em 1975, foi comprada pela Prefeitura de São Caetano. Atualmente, a majestosa estátua se encontra quase escondida, num lugar pouco vistoso do Instituto Municipal de Ensino Superior.
A estátua, apesar de ter encantado os paulistanos e até gente no exterior, teve um fim lamentável: após ficar durante alguns anos abandonada em um estacionamento, sofrendo ataque de cupins, ao invés de receber tratamento, responsáveis pela Univ. de São Caetano optaram por resolver o problema incinerando a obra.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

O modus operandi de Israel é igual ao dos nazistas

Em 1945, 80 anos atrás, o mundo começou a ter noção mais direta dos horrores praticados nos campos de concentração alemães espalhados pela Europa. O terror nazista assustou o mundo. Não se tratava de campos de trabalho forçado somente, o mundo se assustou com a brutalidade, a desnutrição forçada, a humilhação a que os concentrados eram submetidos...
O “mundo civilizado”, então, se mobilizou, na tentativa e esperança de não mais permitir que cenas como a da imagem, de uma russa desnutrida encontrada em Dachau, se repetissem. A recém-formada ONU se mobilizou e se prontificou para reparar uma das principais vítimas do Holocausto, os judeus, atendendo ao pleito do Movimento Sionista de reconhecimento de um Estado Judeu na Palestina. O pedido logo foi atendido: em 1948 diversos países do mundo reconheceram a independência e soberania do Estado de Israel.
Imagem de refugiados do "Nakba"
No entanto, tão antigo quanto o próprio nascimento do Estado de Israel foram as agressões desumanas infligidas aos povos nativos de onde este estado foi criado. Massacres, roubo de terra, deslocamentos forçados, tudo isso marca o que conhecemos hoje como “Nakba”, a catástrofe que empurrou e expulsou milhares de palestinos para fora de seu lar ancestral.
Imagem de judeus refugiados em Lisboa
Quase 80 anos após a fundação do Estado de Israel, no entanto, continuamos a ver cenas tão catastróficas quanto aquelas que o mundo assistiu, em silêncio, no ano de fundação do Estado Sionista. Essas cenas se repetiram consistentemente ao longo das décadas, com mais roubos de terra, mais humilhações, etc.
O modus operandi israelense se assemelha em muitos aspectos ao nazista. Uma das cenas mais comuns vistas por nós nos últimos anos foram a de palestinos encarcerados que voltaram para casa doentes, desnutridos e fracos, uma repetição sinistra das cenas que o mundo visualizou, com horror, durante a libertação dos campos de concentração nazistas.
Refugiados judeus alemães desembarcando
no porto de Xangai
A foto à direita (da primeira imagem da postagem) é do professor palestino Ibrahim al-Shawish. Ele foi libertado recentemente por Israel e disse, em seu depoimento, que, por 45 dias, foi vendado, algemado e forçado a se ajoelhar antes de ser transferido para a prisão do Negev, onde sofreu choques elétricos e ataques de cães. O rosto e o corpo de Al-Shawish, gravemente desnutrido, apresentavam sinais de tortura.
- NATH, Sasnuti. "No Words": Israel Releases Before-After Pics Of 'Malnourished' Hostages Freed By Hamas. NDTV World, 9 de fevereiro de 2025.
- THE man bringing colour to 'shocking' historical pictures. BBC, 14 de novembro de 2020.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

(História da Música) Clara Nunes

Clara Nunes não foi apenas uma cantora. Ela foi um fenômeno, um furacão de cultura, fé e ancestralidade que varreu o Brasil e ressignificou o samba em um tempo que ainda o via como um reduto majoritariamente masculino. Sua voz, firme como o aço e doce como o vento que balança os coqueiros, cantou os orixás, os trabalhadores, a alma mestiça de um país que, por tantas vezes, tentou se esquecer de si mesmo. O Brasil sempre teve sua música pulsando nas ruas, mas foi através dela que os tambores africanos, o samba de raiz e as tradições populares encontraram um espaço definitivo no coração da nação. Mais do que uma intérprete, Clara se tornou um símbolo da resistência e da valorização das matrizes culturais brasileiras.
Vanessa da Mata interpretando
Clara Nunes em musical
Nascida em uma pequena cidade de Minas Gerais, cresceu entre as serestas e os cantos de rádio, até que sua voz, de potência quase mística, encontrou morada no Rio de Janeiro. Clara começou sua trajetória transitando por diferentes gêneros, mas foi no samba que encontrou sua verdadeira essência. E não foi um simples encontro: foi um rito de passagem. Adotou as roupas brancas, mergulhou nas raízes africanas e deu à música popular um significado que transcendia o entretenimento. Suas canções, como "O Mar Serenou" e "Conto de Areia", não eram apenas melodias; eram declarações de pertencimento, de orgulho, de um Brasil que precisava se olhar no espelho e enxergar suas origens.
Clara Nunes rompeu barreiras invisíveis. Tornou-se a primeira mulher a vender mais de 100 mil cópias de um disco no Brasil, em uma época em que a indústria fonográfica apostava majoritariamente nos homens para ocupar os grandes palcos do samba. Seu sucesso não foi apenas estatístico. Clara foi porta-voz de uma cultura marginalizada, trazendo para o mainstream os ritmos dos terreiros, as histórias de resistência dos negros e a fé de um povo que encontrou na música um refúgio contra o apagamento histórico. Seu impacto foi tão profundo que sua obra ultrapassou as fronteiras nacionais, sendo estudada e reverenciada em diversos países, onde a musicalidade brasileira é vista como um patrimônio imaterial que precisa ser compreendido e preservado.
O que faz de Clara Nunes uma figura única não é apenas sua voz ou seu talento interpretativo, mas a maneira como encarnou a música como um ato político, uma afirmação de identidade. O Brasil dos anos 70 ainda era um país que lutava para se reconhecer como mestiço, que escondia sua ancestralidade negra debaixo do tapete do progresso. Clara Nunes desafiou esse silêncio, cantando alto sobre os orixás, sobre as lavadeiras, sobre a gente de pele escura que construiu este país. E fez isso com elegância, com força, com uma verdade que atravessou gerações.
Sua obra é uma travessia que liga passado e presente. Os estudos acadêmicos sobre sua trajetória revelam a profundidade de sua influência. Pesquisas demonstram como sua música foi um instrumento de difusão das religiões de matriz africana e um grito de resistência cultural. Sua relação com o candomblé e a umbanda não era superficial; era um compromisso de vida. Em cada batida de atabaque, em cada canto de saudação, Clara materializava a alma de um Brasil que ainda hoje luta para ser plenamente reconhecido.
Mas o tempo, implacável como sempre, levou Clara Nunes cedo demais. Seu legado, no entanto, permanece intocado. Seu nome ecoa entre os novos artistas, sua presença é sentida nas vozes que hoje tentam resgatar a pureza do samba e nas discussões sobre o papel da mulher na música popular brasileira. Seu impacto não foi apenas artístico, mas sociocultural. A mulher que quebrou recordes também abriu caminhos. E, mais do que isso, deu dignidade a uma arte que, por muito tempo, foi marginalizada e empurrada para os guetos.
O Brasil de hoje, com suas contradições e suas dores históricas, precisa de mais Clara Nunes. Precisa de sua coragem, de seu respeito pela ancestralidade, de seu amor pela cultura popular. Em tempos onde a memória coletiva se desfaz em algoritmos e superficialidades, lembrar de Clara não é apenas um exercício nostálgico – é um ato de resistência. É lembrar que a música pode ser mais do que um produto, que ela pode ser um portal para a identidade, para a consciência, para a alma de um povo.
O legado de Clara Nunes não pertence apenas à história do samba. Ele pertence a todos aqueles que amam a música como um espaço de encontro, de luta e de celebração. Ele pertence a cada artista que encontra em suas canções um eco de sua própria voz. Ele pertence a cada pessoa que sente, no fundo do peito, que a cultura é a única herança que ninguém pode tirar. O mar serenou para Clara, mas sua música ainda dança nas águas da eternidade.


sábado, 18 de janeiro de 2025

Carta de Rubens Paiva para seus filhos

Em 1964, Rubens Paiva, que à época era deputado federal pelo PTB, foi obrigado a se exilar por uns meses e, enquanto aguardava a autorização para sair do país na embaixada da Iugoslávia, escreveu essa carta para seus filhos:

"Verinha, Cuchimbas, Lambancinha, Cacazão e Babiu.

Recebi suas cartinhas, desenhos etc., fiquei muito satisfeito de ver que os nenês não esqueceram o velho pai. Aqui estou fazendo bastante ginástica, fumando meus charutos e lendo meus jornais. É possível que o velho pai vá fazer uma viagenzinha para descansar e trabalhar um pouco. Vocês sabem que o velho pai não é mais deputado? E sabem por quê? É que no nosso país existe uma porção de gente muito rica que finge que não sabe que existe muita gente pobre, que não pode levar as crianças na escola, que não tem dinheiro para comer direito e às vezes quer trabalhar e não tem emprego. O papai sabia disso tudo e quando foi ser deputado começou a trabalhar para reformar o nosso país e melhorar a vida dessa gente pobre. Aí veio uma porção
daqueles muito ricos, que tinham medo que os outros pudessem melhorar de vida e começaram a dizer uma porção de mentiras. Disseram que nós queríamos roubar o que eles tinham: é mentira! Disseram que nós somos comunistas que queremos vender o Brasil: é mentira! Eles disseram tanta mentira que teve gente que acreditou. Eles se juntaram – o nome deles é
gorila – e fizeram essa confusão toda, prenderam muita gente, tiraram o papai e os amigos dele da Câmara e do governo e agora querem dividir tudo o que o nosso país tem de bom entre eles que já são muito ricos. Mas a maioria é de gente pobre, que não quer saber dos gorilas, e mais tarde vai mandar eles embora, e a gente volta para fazer um Brasil muito bonito e para todo mundo viver bem. Vocês vão ver que o papai tinha razão e vão ficar satisfeitos com o que ele fez."